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* Num ano em que a Popload botou seus olhos próprios e/ou emprestados nos principais festivais de música do ano, só faltavam dois. O incrível Iceland Airwaves Festival, da especialíssima Islândia, terra de duendes e da Bjork, que não deixa de ser uma duende. E o Coachella no navio, que vai rolar em dezembro em algum lugar do mar das Bahamas. Isso é um outro assunto.
O que pega aqui é que o parceiro Lúcio Caramori, nome lindo sobrenome nem tanto, colega de Lucioland e tals, se mandou para a Terra do Gelo para absorver toda essa experiência ímpar de shows bizarros e indies e pop do festival islandês. E conta com propriedade, aqui na Popload, um pouco do que aconteceu por lá. O que ele viu, ouviu, comeu, bebeu. Relatório cool direto de Reykjavik. Só não ligue para o jeitão do Caramori de se expressar: ele é publicitário… Haha.
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por Lúcio Caramori
Durante a primeira semana de novembro em Reykjavik, Islândia, é impossível escapar de duas coisas: (1) do vento que sopra em um dos países mais bizarros por sua formação, o povo, sua geologia, sua geografia; e (2) da música que toca no país por todos os lados através de seu grande festival, talvez o maior festival pequeno do mundo (depois do Popload Gig, claro).
O Airwaves Festival, que aconteceu semana passada, de 31 de outubro até o último domingo, 4, teve neste ano a sua 14ª e mais fria edição da história.
Na verdade mesmo, o Airwaves é um festival de bandas islandesas com atrações internacionais, não o contrário. Não que isso seja ruim, porque as bandas do país são tradicionalmente boas e atraem muitos estrangeiros para a cidade. Neste ano, 75% dos visitantes eram de fora da Islândia e os ingressos se esgotaram bem antes do festival começar, prenunciando a edição mais bombada da história, segundo se comentou por aqui.
O circuito oficial do Airwaves acontece em diversos bares, boates e casas de show da cidade, com atrações a partir das 19h. Você ganha uma pulseirinha no começo do festival para ter acesso aos shows nesses lugares. Mas uma gigantesca programação não-oficial, chamada off-venue, garante festa por toda a cidade mesmo para quem não comprou o ingresso. A bagunça começava logo às 9h da manhã, com o imperdível (se você conseguir acordar) Rock and Bacon, em um dos cafés da cidade.
A banda francesa Cercueil se apresentando na rua, durante o Airwaves Festival. Foto de Sebastien Dehesdin
Aliás, na programação extra, a gente podia assistir as bandas em restaurantes, livrarias, estações de ônibus e onde tiver espaço para colocar umas caixas de som e alguns instrumentos. A maioria dos grupos, principalmente os da cidade, acabam tocando mais de uma vez durante os cinco dias do festival. E esse é o fator mais bacana do Airwaves: o contato com as bandas. Você vê uma banda pela primeira vez na quinta-feira, assiste um show off-venue deles na sexta e no sábado é bem capaz de estar tomando uma cerveja com os integrantes em algum bar da cidade. Afinal, Reykjavik não é tão grande assim.
Musicalmente, o Airwaves é um festival de novos nomes da musica indie. Das 200 atrações do evento, eu conhecia umas cinco. É um festival para experimentar e tomar contato com o novo, não para assistir medalhões. Só que pode ser uma boa chance de ver artistas antes que eles despontem para o “estrelato”. The Shins, TV on the Radio e Florence and The Machine são alguns nomes que passaram pelo Airwaves antes de serem “grandes”.
As bandas islandesas, claro, são uma atração a parte por tocarem “em casa”. O Of Monsters and Men, que se apresentam ano que vem no Lollapalooza Brasil, mostraram que são, hoje, o principal nome da cena islandesa. Um show no Harpa, um dos maiores lugares para apresentações da cidade, e outro no Marina Hotel, ambos lotados e concorridíssimos, revelaram isso. FM Belfast e Retro Stefson, com seu pop eletrônico, transformaram em festa os lugares nos quais tocaram. Olafur Arnalds, Low Roar e GusGus, apesar de eu ter perdido, foram imperdíveis, me disseram. As meninas do Samaris, com sua mistura de James Blake com Björk, foram uma das minhas gratas surpresas no festival.
Galera no show do Barr Brothers no festival de Reykjavik. Foto de Sebastien Dehesdin
Já o time de fora sofreu algumas baixas importantes durante a semana. Django Django e Poliça cancelaram seus shows. Coube ao The Vaccines, Dirty Projectors e Daughter representarem os gringos, sendo que os dois últimos fizeram os shows mais elogiados da semana. Entre as descobertas, os canadenses do Half Moon Run atraíram recém-adquiridos fãs (eu, inclusive) nas suas apresentações pela cidade com um som radioheadiano.
Depois de cinco dias de música non-stop, incontáveis pylsurs pela cidade e muita caminhadas no frio congelante, amparado por doses de Brennivin, chegava a hora de assistir o show de encerramento, no domingo, com a banda Sigur Rós. E isso merece um capítulo a parte.
** O CONCERTO DO SIGUR RÓS – No meu vôo de ida para a Islândia, um senhor ao meu lado me perguntou o que eu iria fazer lá. “Assistir a um festival de rock”, respondi. Ele me pediu desculpas e emendou que um dia eu ia conhecer e gostar de música de verdade: música clássica. Ele não conhece o Sigur Rós. Acho que a palavra inglesa “concert” para designar show de música tenha, finalmente, feito sentido para mim.
O que foi visto lá não tinha nada a ver com o presenciado nos cinco dias anteriores. E, ao mesmo tempo, só faz sentido depois de cinco dias pela Islândia, terra natal da banda. Um concerto do Sigur Rós, com seu lirismo e seu apelo sensorial, é algo completamente diferente de um show de rock. É denso, cansativo (cansaço agravado por cinco dias de festa, uma hora de atraso para começar e duas horas de apresentação) e catártico.
Mas a musica do grupo é uma perfeita representação do que é esse país desconhecido. Os longuíssimos momentos instrumentais e de vocal do cantor Jonsi Birgisson são uma tradução musical das paisagens lunares e intermináveis que estão pelo interior da Islândia. As explosões de sons no meio de algumas canções são como assistir as erupções do impronunciável vulcão Eyjafjallajökull.
Pianos e xilofones tocados com tanta sensibilidade são como um retrato das belas islandesas. Desde 2001 o grupo não se apresentava em um Airwaves e a emoção dos islandeses de os assistirem novamente em um grande show era perceptível nos rostos e no silêncio durante as músicas. E para nós, estrangeiros, foi mais do que o fechamento de um festival de rock. Foi um inesquecível resumo do que é a Islândia.
Público da banda “local” Of Monsters and Men, que toca em São Paulo em 2013. Foto de Sebastien Dehesdin
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Vídeos do Airwaves
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